Os Cristãos e o RiR

Eu me segurei bastante pra não me meter na polêmica “Ser cristão X RiR” mas creio que cabe uma reflexão pastoral sobre o tema.

Um dos textos mais lindos da bíblia, não só pela forma poética, mas por ser carregado de amor e de significado, é a Oração Sacerdotal de Jesus (Evangelho de São João 17). É lá que Jesus, intercedendo ao Pai pelos seus discípulos – e por todos que viriam a crer nEle no futuro – pede o seguinte: “não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal” (v.15).

Os padrões do Reino dos Céus são inegociáveis. Não existe meio termo. É importante notar que o próprio Jesus, no famosíssimo Sermão do Monte (Evangelho de São Mateus 5-7), fez questão de mudar um paradigma muito grande que a cultura judaica de sua época preconizava: a intenção do coração é muito mais importante do que uma atitude externa. Aliás, não só no Sermão do Monte, mas em vários momentos de sua vida, em várias pregações, encontramos essa vertente.

Durante muitos anos, nos púlpitos das igrejas cristãs, foram ditadas regras de comportamento e conduta, verdadeiros códigos de usos e costumes, com um objetivo (sincero, quero crer) de evitar que o rebanho caísse em tentações. Esta prática tirou completamente o foco da verdadeira santidade. Ao invés de buscarem a Deus os cristãos estavam mais preocupados em obedecer às regras como sinônimo de cumprirem a vontade do Senhor. Resultado? Uma geração de pessoas que não conseguem discernir o bem do mal, que não conseguem pensar claramente e continuam a basear seus relacionamentos com o Pai “by the book”, seguindo um desbotado “caderno de regras”. Que tipo de pessoa essa distorção gera? Legalistas, obviamente.

Se por um lado muitas situações cotidianas foram deixadas de lado nos tais “cadernos de regras”, outras foram grafadas em gigantes letras vermelhas. O assunto música é até hoje um dos mais polêmicos, sem dúvida alguma. Basta lembrar que mesmo os pioneiros da música cristã no Brasil, que hoje são vistos com o maior respeito, tiveram seus LP quebrados na porta das igrejas evangélicas nas décadas de 70 e 80 (Vencedores por Cristo, Rebanhão, Sérgio Pimenta, entre outros). Tudo porque continham faixas de rock, chorinho, samba, entre outros.

Como cristãos, precisamos olhar para a Oração Sacerdotal de Jesus e refletirmos sobre o mundo no qual vivemos e, não, sobre os eventos musicais e/ou sociais que eventualmente frequentamos. Quero dizer que DIARIAMENTE vivemos em um mundo cercado de coisas estranhas, fora dos padrões de Deus para a humanidade e que somos confrontados a todo instante sobre nosso caráter, nossa moral e nossa fé. No ônibus, no trânsito, na escola, na faculdade, em casa, no trabalho, na rua, no RiR, na igreja, nos relacionamentos em geral, no banco, nas filas, nas festas, etc, etc, etc. “Não peço que os TIRES do mundo, e sim que os guardes do mal”. Por acaso algum de nós vive em ambientes "100% cristãos" o tempo todo? Só assistimos filmes cristãos? Seriados? Novelas? Revistas? Livros? Músicas? Seria esse o ideal de vida que o Senhor planejou para nós? Insisto, lembre-se da oração de Jesus: “não peço que os tires do mundo (...)”.

Algumas comunidades tentaram viver esse ideal de se isolarem das coisas “contaminadas” do mundo. Reuniram-se em vilarejos e comunidades herméticas, sem televisão, sem jornal, sem acesso a nada que o “mundo” oferecia. O resultado? Bem, a maldade já estava dentro daqueles portões trancados, no coração de cada homem e de cada mulher, de cada criança nascida. É inerente ao ser humano. A ideia de "Arca" fracassou.

Não fui ao RiR e, sinceramente, não foi só por estar longe do Rio. Na época que os ingressos foram vendidos não quis comprar. Gosto de alguns artistas que se apresentaram ali, não conhecia outros tantos e alguns não me agradam, seja por suas posturas ocultistas ou por suas músicas fracas (na minha humilde opinião). Bem como não gosto de filmes de terror, desses com exorcismos, bruxas, demônios e etc. Não me convide para assistir, não fazem o meu gênero. Nem por isso vou condenar um irmão ou irmã que assista. E, sinceramente, alguns desses filmes são muito mais pesados que as letras ou as apresentações teatrais do Iron Maiden, por exemplo.

Li algumas colocações que apresentaram argumentos muito interessantes contra o RiR. Outras pareciam piadas de tão desconectadas da realidade. Não dá pra separarmos, por exemplo, os artistas em "do mundo mas pode" e "do mundo mas não pode". Todos que ali se apresentaram são “do mundo”. Não podemos separar em "assistir o show do fulano pode" mas do “beltrano não pode" (evitando nomes de propósito). Do ponto de vista bíblico, são todos farinha do mesmo saco (no bom sentido, sem ser pejorativo). O Apóstolo Paulo disse que “todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam” (1 Carta aos Coríntios 10,23). “Não convêm” e “não edificam” não são sinônimos para “é pecado” ou “não agrada a Deus”.

Outra coisa interessante foi ler que a Cidade do Rock era um lugar onde CERTAMENTE Deus não estava. Ora, um dos atributos mais conhecidos de Deus é sua onipresença. Não existe lugar onde Ele não esteja, por mais que não concorde com o que esteja acontecendo ali. Num banco sendo assaltado, Deus está. Numa cena de homicídio, Deus também está. Isso não é sinônimo de que Ele esteja abençoando ou compactuando com o que esteja acontecendo. Entretanto, tenho certeza que Ele estará SEMPRE disposto a abençoar qualquer pessoa que esteja ali com um coração sincero e desejoso da Sua presença. Em QUALQUER lugar. O “pecado” é ter estado presente na Cidade do Rock ou ter se divertido, curtido as apresentações? Porque também existem aqueles que estiveram ali por força do trabalho e que aproveitaram para curtir. Nesse caso pode?

Tenho muitos amigos cristãos que foram ao RiR, inclusive alguns pastores. Sinceramente, não vejo mal nenhum nisso. São muito mais nocivos os comentários dos “juízes” da espiritualidade alheia que julgam e condenam tais pessoas sem conhecer suas vidas de perto, seu caráter e seus valores. Isso, sim, é pecado. Nisso, sim, Deus não está. Lembre-se que somos especialistas em julgar aqueles que pecam diferente de nós.

A verdadeira santidade não é viver se esquivando daquilo que o mundo oferece e, sim, estarmos de tal forma plantados em Deus que viver em pecado simplesmente não faça sentido. Ainda que o pecado more – ou esteja – ao lado, ao alcance das mãos, a um clique do mouse.

OBS: sei que isso pode render um milhão de discussões mas, sinceramente, não é essa a minha intenção. Só quero que, como cristãos, possamos refletir sobre o nosso papel na sociedade na qual estamos inseridos e em como temos tratado nossos irmãos, ressaltando que eles podem pensar diferente, gostar de coisas que achamos esquisitas, mas são homens e mulheres feitos do mesmo barro que nós, alvos do amor e da graça de Deus tanto quanto eu e você.

0 comentários: